No âmbito do projeto em curso “Integration Through Arts Learning to Enhance Society” (I-TALES) decorreu mais uma mobilidade num dos países parceiros, desta vez em Espanha.
Este projeto tem como principais objetivos a interação de migrantes em comunidades locais, ao mesmo tempo que utiliza e divulga métodos criativos na educação de adultos, como as artes (teatro, artes manuais, dança e etc).
Darko Štrbac, esloveno, um dos participantes desta última mobilidade, partilhou connosco como foi a sua experiência:
“Usando os nossos conhecimentos de tetris dos tempos de criança, embalámos o pequeno Opel e partimos para Espanha, na manhã do primeiro dia, com um pequeno atraso (como dita a cultura das partidas em Portugal).
Senhoras no banco da frente e cavalheiros no banco de trás. A comandante da nave espacial é a Kelinha, sempre pronta para trabalho duro, bem como para uma ou duas piadas. À sua direita está a copiloto, Vânia, cheia de boa vontade e canções para cantar.
E lá atrás estamos nós. Eu, cheio de expectativas pela minha primeira viagem através de Espanha em direção ao norte, e Abanildo, um estudante com um passado interessante, então ainda um estranho para mim.
A estrada leva-nos até à fronteira de Portugal, e, depois dela, até à nossa primeira paragem, a cidade de Salamanca, que recordarei pela sua cor arenosa e ótima carne.
O nosso caminho continua através das grandes planícies de Espanha, cheias de campos com gloriosos tons de amarelo e verde, até às primeiras montanhas que indicam a aproximação ao Norte e, com ele, ao nosso destino: Penagos, alguns quilómetros a sul de Santander, na comunidade autónoma de Cantábria.
Chegámos à aldeia a uma hora tardia. A primeira coisa em que reparo são as belas casas antigas de pedra e materiais naturais, com uma natureza verde arrebatadora à volta. Chegamos à pensão, onde vemos os rostos das pessoas, algumas das quais se tornarão nossas amigas nos próximos dias. Após o primeiro aceno de saudação tímido, dizemos boa noite e vamos para a cama.
Na manhã seguinte começa a nossa aventura comum. O nosso ritual diário: pequeno-almoço, depois disso começamos os nossos workshops, seguido de almoço, uma pausa, mais workshops, jantar e depois disso, socialização. Por duas vezes participámos também em visitas à região. Primeiro, ao “Parque de la Naturaleza de Cabárceno” que abriga quase 120 espécies animais dos cinco continentes que vivem em semiliberdade, distribuídas em recintos de grandes áreas onde coexistem uma ou mais espécies. Segundo, à cidade de Santander, com belas praias e uma história inspiradora.
Mas, em primeiro lugar, porque estamos nós em Espanha? Porquê partilhar almoços e sorrisos com pessoas de diferentes países? Sobre o que são as oficinas?
Estamos em Espanha enquanto integrantes do projecto Itales – Integration Through Arts to Enhance Society.
Cada um dos países participantes acolhe uma mobilidade, cada uma com o seu próprio tema, e em cada país há diferentes oficinas que acompanham o projeto e o tema específico.
Desta vez o tema é a palavra “muitos”, que representa uma parte do caminho de um migrante. “Muitos” representa muitas pessoas que migram e muitas pessoas que os migrantes encontram no seu caminho. De acordo com isto, temos workshops e preparativos para a apresentação final no final da semana, que consiste em duas partes.
A primeira parte é a apresentação musical, a segunda é a apresentação de oficinas de arte e artesanato. A parte musical inclui um coro multicultural, sendo que cada país escreveu uma parte da letra adaptada da canção tradicional espanhola que todos cantamos juntos. O espetáculo art&crafts teve a forma de teatro de sombras chinesas, que utiliza silhuetas coloridas ou pretas, feitas de couro ou papel, acompanhadas de música e canto. Manipuladas por marionetistas usando varas, as figuras criam a ilusão de imagens em movimento num ecrã de tecido translúcido iluminado por trás. Os preparativos para esta atuação começaram semanas antes da viagem para Espanha. Começámos com a escrita de histórias sobre pessoas, construímos um guião e, finalmente, criámos as silhuetas a utilizar no espetáculo. Assim, tudo o que nos restava fazer em Espanha eram ajustes e ensaiar, ensaiar e… Que mais? Oh, ensaiar!
E como era o ambiente em Espanha? Partilham-se energias de toda a Europa, com pessoas que, de uma forma ou de outra, respiram e vivem a arte. Isso significa corações e mentes abertas. Significa mistura de diferentes culturas. De um extremo da sala pode ouvir-se uma avalanche de palavras rápidas enquanto os italianos debatem apaixonadamente, do outro lado há pessoas do Chipre e da Grécia, muito ligadas através da música e da dança. Há lituanos e búlgaros, fonte de boa energia e conversas intrigantes, e nós e a equipa de acolhimento de Espanha, cuja fronteira, que nos divide no mapa, nos liga e nos aproxima de imediato. Na verdade, aqui, o nosso continente liga-nos a todos, bem como o amor partilhado pela arte.
Um grupo de sonhadores, de underdogs, de anciãos com um brilho de sabedoria nos olhos, de cantores com pulmões fortes, de dançarinos com uma história para contar, são estas as pessoas com quem se partilham sorrisos e todas aquelas breves, mas significativas trocas de olhares.
Tudo isto a acontecer numa pequena casa comum da Espanha rural. E, se por um lado, trabalhamos durante o dia, à noite é tempo de socializar.
Pouco tempo depois da chegada tivemos a primeira noite intercultural, durante a qual cada país partilhou da sua comida e bebida. Excelente forma de nos aproximarmos de uma mesa cheia de estranhos e iniciarmos uma conversa.
Depois do jantar, saem as guitarras, bandolins e outros instrumentos, e seguimos com música e dança. E era assim a cada noite.
Cada noite novas conversas, cada noite novos amigos.
E assim, no final da semana, quase te sentes nostálgico com esta gente com quem passaste apenas alguns dias. As saudades de casa e do grupo de origem enaltecem mais ainda esse sentimento.
Passas o dia todo com estas pessoas, preparando uma apresentação comum. É com eles que planeias e aperfeiçoas o teu plano. É com eles que fazes brainstorm de ideias, é com eles que ris, cantas. Estas são as pessoas que te dão apoio, quando fazes asneiras, e confirmação quando aceitam as tuas ideias, felicidade, quando todos juntos notam o progresso óbvio, mau humor, quando há diferenças criativas. Com eles partilha-se excitação, exaustão, nervosismo e todo o espectro das emoções. E a dinâmica no nosso grupo foi ainda mais interessante devido às diferenças linguísticas. Porque eu não sou de Portugal, não falo português. Por isso, outros membros da equipa comunicavam comigo em inglês. Engraçado é que o Abanildo não fala inglês. O que significa que precisávamos das capacidades de tradução da Vânia e da Kelinha, que foram brilhantes, mas que também estavam, no auge da confusão criativa, a traduzir a sua língua nativa para cada um. E mesmo que eu pudesse falar com as raparigas normalmente e assim nos ligássemos mais profundamente através de piadas, pensamentos e medos partilhados, foi a ligação com o Abanildo que ressoou em mim depois, só por causa da forma como a nossa ligação se formou, que foi a primeira, para mim, desta forma particular. Foi interessante observar como uma amizade pode ser formada sem palavras faladas. Desde as primeiras trocas de olhares incómodas a pequenos atos de bondade e atenção, passando pela partilha de sorrisos e passos de dança até à amizade. E com este grupo cruzei a linha de chegada na última noite, com a atuação com a qual ficámos muito satisfeitos e pela qual recebemos um grande aplauso, que absorvemos juntos.
Após as atuações individuais dos países, a seguir vem a atuação musical de grupo e depois algumas atuações de dança e canto por indivíduos de alguns países.
E assim o fim está próximo. São duas horas da manhã. Eu e algumas outras pessoas estamos sentados, a comer pistácios, a ouvir música, a olharmo-nos uns aos outros com sorrisos honestos, agradecidos por cada momento partilhado, enquanto debatemos o que vem a seguir para cada um de nós e se alguma vez nos voltaremos a ver.
Nada mais há a fazer, senão despedirmo-nos. Um abraço sentido e um olhar profundo nos olhos de cada um. Quando acordo, todos eles já se foram embora. Tomo o pequeno almoço com o meu grupo e regresso a casa com novos amigos, não só no carro, mas por toda a Europa. Cheio de novas recordações.”